marcela levi

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Amanda Queirós
Folha de São Paulo
São Paulo
agosto 2010

Panorama SESI de Dança é aberto por espetáculo do Rio

No palco habitado pela coreógrafa carioca Marcela Levi, há cenouras. Para citar o número exato, duzentas delas: enfileiradas, picadas ou em rodelas. Elas caem do céu feito bombas e, enfileiradas e presas ao corpo, fazem as vezes de cartucheiras de munição.

As imagens, com certo ar infantil, constroem "Em Redor do Buraco Tudo É Beira", que abriu na quinta-feira (5) a 10ª edição do Panorama Sesi de Dança, às 20h, no Teatro do Sesi.

O "ar infantil" é só aparente. A obra - que Marcela descreve como uma "fábula" - envereda por temas complexos. É um ensaio sobre a normatização da violência do cotidiano. "Me interessa muito falar de como ela já está pressuposta, superdigerida", disse à Folha.

Em parceria com Flávia Meireles, ela fez uma coreografia que investiga a presença desse elemento em diversas esferas. Uma delas é a dos desenhos animados, nos quais, não raro, os personagens explodem uns aos outros e, no fim, tudo fica bem.

A referência está na adoção de uma estética cartunesca. Por se conectar fortemente ao universo pop, esse visual acaba por criar uma via de acesso à obra que, cuidadosamente, não achata a discussão proposta por Marcela.

A outra questão presente no espetáculo e que norteou o trabalho corporal refere-se à instabilidade (daí o seu título). "Uma beira é sempre um lugar de perigo, no qual você pode cair a qualquer instante", disse.

As inspirações para o espetáculo são diversas. Vão da adaptação tcheca de "Alice" ("a violência está ali o tempo inteiro"), de Jan Svankmajer, à narrativa fugidia do cineasta David Lynch ("gosto de como ele cria janelas que desviam do que está acontecendo"), até o filósofo francês Maurice Blanchot.

CENAS CURTAS

No início da carreira, Marcela trabalhou com a coreógrafa Lia Rodrigues (presente nesta sexta-feira no Panorama com a exibição de um documentário sobre a sua obra).

Dela, herdou uma dramaturgia calcada em cenas curtas, tipo esquetes, que funcionam isoladamente, mas, costuradas, ganham força.

A densidade surge, por exemplo, quando se percebe, quadro a quadro, que Marcela fala da condição do próprio lugar em que vive, o Rio de Janeiro, no qual beleza e violência parecem conviver harmoniosamente.

Difícil não achar graça quando ela dança uma versão do rap "Morto, Vivo", do Bonde do Tigrão. Mas é um sorriso que nasce meio contrangido diante do que já foi apresentado.

O trabalho estreou ano passado com Marcela e Flávia no palco. Em São Paulo, pela primeira vez, a coreógrafa divide a cena com o amigo - também bailarino e coreógrafo - Fred Paredes.