marcela levi
Cesar Ribeiro
São Paulo (BR)
Junho de 2024
"3 CONTRA 2 – PSICO TRÓPICOS"
A plateia está em uma arquibancada montada em uma lateral do palco do Teatro Paulo Autran, no Sesc Pinheiros, enquanto o espaço do espetáculo está na outra lateral, mantendo, ainda que de modo diferenciado, a relação palco e plateia. Equipamentos de luz pendurados invadem o espaço, como parte da cenografia ruína. Sentado nessa plateia-palco, olhando à esquerda vejo as poltronas vazias do teatro e a escuridão. Estar no palco diante de uma obra sem quebra da quarta parede (para ser exato, com algumas quebras em nada interativas, meramente formais) é, em si, provocar deslocamentos tanto no público como nos performers/dançarinos: dos artistas, dançar sem a moldura-proteção da caixa preta mas mantendo a relação clássica; do público, ser e não ser parte da obra. Impossível, ao olhar para a plateia morta, não pressupor o olhar ausente, um pouco ao modo de Samuel Beckett em Esperando Godot: “Para mim também, alguém olha”... Ou a caça da câmera de Alan Schneider a um fugidio Buster Keaton em Film, com roteiro de Beckett. Mal Visto, Mal Dito... Mal Visto, Mal Dito.
Daí que um dos momentos mais simbólicos ocorre perto do final do espetáculo, como uma carta de intenções pseudopóstuma: o ser-entidade que se desloca em direção à plateia escura, olha, para à beira do precipício (o limiar da fronteira palco e plateia) e retorna. Belo, belíssimo, porque estamos diante de corpos dissidentes, de dança antidança, de teatro antiteatro... A exclusão dos corpos que querem pertencer ao coletivo, mas em outra modalidade do jogo sociopolítico, encontra duplicata na obra que busca romper as formas tradicionais das obras.
Como nos outros espetáculos da Improvável Produções, há um amplo referencial posto não necessariamente em choque, mas em amplificações, dentro do contexto de polirritmia sonora e entrelaçamento conceitual: o voguing da cultura Ballroom se encontra com o Nijinsky de L'après-midi d'un faune, que se encontra com Beethoven e rap, com os faunos e o pânico (salve, Arrabal!)...
Por fim, esteticamente, os espetáculos que vi da Improvável seguem a estrutura típica da música minimalista. Vou tentar pontuar, em termos de estrutura e produção de sentidos, usando uma música de Michael Nyman, que cunhou o termo em artigo de 1968 na revista The Spectator. Na belíssima Memorial – composta por Nyman em 1985 como uma espécie de marcha fúnebre em homenagem aos 39 torcedores mortos na partida da final da Copa Europeia daquele ano, entre Liverpool e Juventus –, o trecho inicial é uma pontuação sonora com instrumentos de corda e cordas percussivas (piano). Já no trecho seguinte, as cordas assumem estilo melódico e entram os sopros, com o instrumento de cordas percussivas mantendo a pontuação. Em um terceiro momento, soma-se a percussão. A partir daí são feitos diversos arranjos e rearranjos, adições e subtrações, até o momento em que a música explode, com a entrada do instrumento humano sem canto, mas em uma espécie de grito-lamento contínuo e quase infinito.
Mudando o termo instrumento musical para o instrumento corpo, é essa a dinâmica de 3 Contra 2 – Psico Trópicos, ao mesmo tempo um lamento e um grito de guerra pela poética da forma, porque reconstruir a realidade a partir dos afetos, do conhecimento, da alteridade e da integração do supostamente divergente é um exercício constante, uma ação política urgente diante da reascensão dos fascistas e sua necropolítica.
Mais uma vez, um espetáculo belíssimo, que ainda tem apresentações nos dias 25, 26 e 27/6.
Trecho do espetáculo
Memorial
Site do Sesc