marcela levi

EN

Jérôme Delatour
Images de Danse
Paris
2008

"In-organic". Fica bem claro, o traço de união garante, que não se trata de inorgânico. Pois não há nada de mineral ali. Trata-se do que é orgânico dentro, eu diria visceral.

Marcela Levi, essa frágil mulherzinha nua, pouco mais alta sobre saltos quase agulha, produz em solo miniaturas, pequenas jóias de precisão. Nela sempre as mesmas quatro cores: branco, vermelho, preto, pele. Desconfia-se que Marcela Levi não é uma moça fácil. Ela tece e desfaz os símbolos com destreza. Uma rede de colares de pérolas esticada num golpe torna-se fio, como um jato seminal; enrola-se como corpete e depois, desfazendo suas curvas com uma carícia, vêm amarrar seus tornozelos como um laço que aprisiona uma vaca. Grampos de cabelo podem também imobilizar uma boca.

O que há de visceral em Marcela Levi é sem dúvida sua energia masculina, o desejo dessa energia de aliar força mental feminina e força física masculina. Ela gosta de afrontar o público que ela olha (ou cobre) com uma segurança plácida. Como símbolo de seu desejo e de sua força, uma cabeça de boi que ela carrega nos braços como um troféu, ou contra seus quadris em vai-e-vens vigorosos para melhor possuí-la enquanto possui os outros. Nua e de repente vestida - como se domesticada -, novilha e boi, dominadora e dominada, ela própria troféu quando seu perfil se imobiliza, boca aberta, ela admite e afronta as fatalidades de sua espécie, violentas e ancestrais. Pois ela conta histórias. A história dos vaqueiros machos da cidadezinha ao lado, ou algo assim; com uma bela voz brasileira bem acariciante, como um bálsamo sobre a dureza de seu país. Também a história de um fotógrafo de jornal que faz carreira com a miséria do mundo. "É assim, ele gosta, ela gosta. Yeah!" Esse leitmotiv sonhador, repetido com um leve sorriso esperto e satisfeito, quase guloso, alterna com um refrão ruidoso, de sabá, de obsessivo obsceno por sua mecânica.

O objeto exato da demonstração nos escapa, mas compreende-se logo do que é que Marcela fala. Aproveitando-se da sensualidade de seu corpo para melhor subverter as representações machistas, ela usa um procedimento clássico da performance feminista. Seu feminismo, no entanto, é de hoje; não se trata mais de apenas apresentar o homem como um carrasco e a mulher como uma vítima. Entre dominação e sedução, aceitação e revolta, Marcela Levi semeia a confusão e por isso produz, sem dúvida, a performance mais erótica dos Inaccoutumés.



♥♥♥♥♥♥ In-organic, de Marcela Levi, foi apresentado na Ménagerie de Verre nos dias 25 a 27 de novembro de 2008 no programa do festival Les Inaccoutumés.