marcela levi

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Luiz Cornejo
Revista Primer Acto
Dezembro 08
Madrid

Brasil: Corpos e Palavras
Festival In-Presentable 08
Marcela Levi e Luiz de Abreu subvertem os ícones

A maior contribuição artística do Festival In-Presentable 08, foi a reunião de expressões cênicas contemporâneas que apresentaram distintas visões e reflexões de outras culturas brasileiras, em uma clara opção de eludir e inclusive debater os estereótipos que circulam na Europa sobre este imenso e plural país e sua gente.
No último mês de junho, os trabalhos e colóquios dos bailarinos e coreógrafos Marcela Levi (in-organic) e Luiz de Abreu (O Samba do Crioulo Doido) ofereceram uma rica, irônica e crítica discussão de temas e ícones das culturas dominantes, concretamente, da que sustenta e alimenta valores machistas e patriarcais, e da que discrimina e utiliza os homens e mulheres negros.
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© LCE

Contra a morte

Marcela Levi (Rio de Janeiro, 1973) elege ícones e imagens totêmicas de uma cultura do gado ou vaqueira do rodeio, a cultura do boi ou do touro, de raízes ibéricas, persistente em algumas zonas do Brasil, que assimila a mulher/noiva/prometida a uma rês, em relação à figura do homem/noivo/prometido, que seria o domador.
Concretamente, elege (e narra em uma passagem) o ritual do homem que literalmente "joga o laço" numa mulher. A bailarina esquarteja este costume, deixa suas entranhas a descoberto, criando e oficiando um rito liberador.
Numa sala branca, (se) expõe em sua dança, desnuda, a escassos metros dos espectadores, entrelaçando e justapondo três séries de ações e símbolos.
A primeira série, que abre e fecha o ritual, é a oferenda, investidas e copulações da rês, que é ela mesma, sustentando uma cabeça de boi empalhada, que ela move em círculos.
Paralelamente, vão-se alternando as passagens da "cerimônia do laço", um longo colar de pérolas, com o qual envolve seu corpo, ritmicamente, sobre o fundo de música da festa "vaqueira" misturada com sons telefônicos; a ação culmina na costura de sua boca, que ela simboliza colocando pausadamente grampos de cabelo em seus lábios, decorados com esta mordaça de silêncio; durante esta série, Marcela Levi diz ao público: "E é assim. Ele gosta. Ela gosta".
Numa terceira ação, mais breve, intercalada antes do final do ritual da rês, abre outra perspectiva da inércia de "E é assim": Ela lê o relato de um fotógrafo que ganhou um importante prêmio graças a sua imagem de um acidente mortal na rua, realizada antes de qualquer iniciativa de ajuda. A narração do fotógrafo descreve a fabricação e difusão desta imagem como uma rotina cotidiana.

"Me interessa o que me incomoda", afirmava Marcela Levi no colóquio posterior à representação. "Me incomoda muito quando as pessoas dizem de uma coisa: "É assim... e não se pode fazer nada para mudar". Isso é a morte. Por isso uso essa frase, ou a notícia do jornal. As pessoas vêem essas coisas, lêem o jornal e não fazem nada."

E com respeito a seu ponto de vista, afirmava:

"Me interessa a ironia do trágico, para despertar aquilo que está anestesiado, mas sempre estou eu desde o interior, não de fora."

Além de ter colaborado com coreógrafas como Lia Rodrigues e Vera Mantero, entre outros, nesta peça, criada junto com Ana Carolina Rodrigues, Marcela Levi trabalha com Flavia Meireles, que colabora como sua assistente de direção e dramaturga, presenciando todo o processo criativo. Sobre este trabalho, criado durante um ano, diz:

"Trabalho com a repetição e com a justaposição, com a associação automática de elementos. Uma coisa me leva a outra. Fazemos una cadeia longa e logo cortamos os pedaços imediatos, e intercalamos "furos" entre eles. Há um jogo com um corpo e há os objetos, e sempre há um terceiro elemento, que pode ser o símbolo, que surge neste jogo relacional que faço com vocês. Para mim é muito importante ter uma estrutura bastante rígida e diminuir o tempo entre o pensamento e a ação; ter o corpo no espaço sempre em relação com algo."

1 - O curador deste festival de artes cênicas contemporâneas da Casa Encendida, o bailarino e coreógrafo Juan Domínguez, comentava: "Graças à colaboração do Festival Panorama, do Rio de Janeiro, este ano quisemos criar um contexto miss amplo e profundo do que o que pode trazer um só criador. Os quatro artistas que reunimos entregam una reinterpretação crítica e política de sua sociedade e de suas culturas."