marcela levi
Quim Pujol
Festival Complicitats
Barcelona
2008
In-organic, Marcela Levi, La Caldera, 25/2/2008
Como tudo que vimos no Festival Complicitats, In-organic não usa o movimento como mera exibição, mas tenta enquadrá-lo num discurso. Embora essa peça tenha alguns momentos especialmente lentos que não a tornam fácil para o grande público, é um exemplo de boa escrita.
As cenas se sucedem com delicadeza e tanto os objetos como os movimentos são utilizados na medida certa para criar um conjunto estético e semântico cheio de coerência. Ou seja, não falta nem sobra nada, tudo está relacionado entre si e, no final da obra emerge uma mensagem clara e contundente.
A artista emprega poucos objetos, apenas uma cabeça de boi empalhada, um longuíssimo colar de pérolas, um vestido e uma sinaleira de bicicleta. Sem dúvida, esta sobriedade é digna de elogio. Com esses poucos elementos e um uso pontual da música, Marcela desenvolve uma série de movimentos e ações ligados a uma narrativa mínima. No interior de São Paulo, os vaqueiros escolhem suas namoradas laçando-as pelo pescoço como se fossem gado. Eles gostam, e elas também. Esta história se repete e no final se narra outra história. No interior de São Paulo, houve um assassinato e o fotógrafo que cobriu o funeral ganhou um prêmio pela reportagem. Uma mãe havia perdido seu filho em um tiroteio e velava seu corpo. O fotógrafo fez a foto sem flash para dar maior naturalidade e realismo à cena. Eles gostam, e elas também.
Esse paralelismo no fim da história põe em evidência a pouca sensibilidade da violenta sociedade brasileira. Marcela Levi insistia no final do debate que sua peça não gira apenas em torno de um discurso femininista. É certo que no fundo trata-se da situação geral de uma sociedade e não só das mulheres. No entanto, um dos maiores culpados por essa situação talvez seja uma mentalidade brutal que está ligada em grande parte à cultura machista. Desse modo talvez se trate sim de uma peça feminista, no melhor sentido da palavra, aquele que nos atinge a todos.