marcela levi
Silvana Almeida Santos
Substrack
2024
O impacto do repetitivo em movimentos que importam
55 minutos que transbordam - polirritmia performada em movimentos que tiram o fôlego tensionando silêncios, sons, gestos e movimentos que importam na criação de Lucía Russo e Marcela Levi em 3 contra 2: Psico Trópicos.
É com um jogo arriscado que 3 contra 2: Psico Trópicos logo de cara captura o espectador com singularidades que reverberam no ambiente desde a entrada do público, em que se cria uma atmosfera de expectativa até chegar ao local em que a performance será realizada.
Satisfeita até certo ponto a curiosidade, uma enxurrada de questionamentos nos invade, proporcionando o encontro com o ruído das respirações que quebram o silêncio dos primeiros momentos da obra. tudo se ouve e se intensifica quando irrompe o primeiro acorde.
As imagens vão se revelando até depararmos com os ruídos do corpo, do cenário, da luz, dos figurinos, dos movimentos cadenciados em assimetricamente, borrando realidades em construção, num desafio experimentado por cada um que participa dessa proposta que vai se desencadeando como uma teia.
Chamo de risco a coragem de expor e explorar emoções e sentimentos em cada detalhe da performance: cenário/não-cenário/luzes penduradas/ arquétipos desconstruídos/ em que tudo vibra e sugere certo tipo de cuidado com o descaso e a despretensiosidade com que todos os elementos se mostram em cena.
O ritmo dos movimentos vigorosos e o rigor da pesquisa que diverte para extravasar inquietudes de um plano capaz de abrigar o caos e os entendimentos a que nos conduz e nos atenta para importância de certos desconfortos ao aceitar o convite nesse mergulho dos sentidos.
Tudo reverbera e não por acaso, prontamente nos disponibilizamos sem tempo para estar em outro lugar, a presença é convocada e não resiste as manifestações colocadas em cena. Cada performer congrega em sua singularidade uma conexão sutil que se espalha no corpo seguinte que estará em cena. Trata-se de uma coreografia que trabalha o esgotamento e, ao mesmo tempo promove uma re”ação” dos/nos sentidos, como um despertar que reflete o mundo de um jeito novo, sem desconsiderar a necessidade de repetição para que se torne hábito: hábito de ver, ouvir e sentir, estar em estado de cinestesia junto com os que dançam.
Em história, como em psicanálise, o objeto é uma presença perdida. A idade Média é o não lugar do medievalista: fora-do-espaço na dimensão de um puro nomadismo temporal. No entanto, a apreensão que, às vezes, apaixonadamente tentamos, implica o corpo: comprometido pelos poderes psíquicos que ele possui e condiciona, mas também pela operação concreta (mesmo simplificada por nossas técnicas) da mão e do olho; pelo bem-estar ou pela fadiga, por tudo que, no que somos, favorece a espontaneidade do intelecto, a intuição, a percepção das analogias formais ou, ao contrário, as obstaculiza. (ZUMTHOR, p. 94).
Uma comunhão entre plateia e performers formam as cenas contrastando com outro cenário de poltronas vazias e arquibancada lotada. Estridente sem conflitar com a invisibilidade e desaparecimento da quarta parede que desaba e escancara distintas e diversas realidades possíveis, em que os corpos afetam e são afetados pelos impulsos das várias camadas incessantemente tecidas pela repetitividade capaz de comunicar.
Russo e Levi explicam que “os ritmos de 3 contra 2 são uma polirritmia muito presente na música afrobrasileira e na música eletrônica. No discurso feminista, a noção de polirritmia é usada para visualizar o ritmo de grupos tradicionalmente ignorados e para desafiar as histórias que foram escritas do ponto de vista de um ritmo que se fez dominante”, e completam com o pensamento de Krenak: “a floresta tropical é teia de vidas entrelaçadas. Na floresta os caminhos são curvos. Há sombras, há as plantas que matam e as que curam, as rasteiras e as frondosas. A floresta balança, é cheia de meandros, desníveis, sons, muitos sons. A Floresta delira, sob a terra as raízes tramam, perfuram e enredam seus braços que crescem para baixo, para cima e para os lados. A floresta tropical sussurra mitos, pulsa e expulsa rumores e miragens: Psico Trópicos. A floresta é cruzo, é polirritmia”.
O impacto se dá ainda na possibilidade desse vislumbre atemporal que permeia os sentidos apoiado em nossas experiências individuais e, propõe experimentar o erótico e o sensual explorando as razoabilidades desse prazer psicodélico.
Essa estética capaz de reduzir distâncias e encher vazios conjugando essências atemporais mostram como explicam as coreógrafas a presença permanente dos performers em cena: “o estilo Old way do movimento Vogue é caracterizado pela formação de linhas, simetria e precisão e é inspirado nos hieróglifos egípcios. L'Après-midi d'un faune, a primeira coreografia de Nijinsky foi inspirada nos movimentos de frisos gregos, afrescos egípcios e assírios. Em ambos, Old Way e L'Après-midi d'un faune, o erótico está fortemente presente. E se o Fauno, entidade híbrida e encantada das florestas, dos mitos e do balé de Nijinsky, se cruzar com a geometria Queer do estilo Old way do movimento Vogue e com Oxumaré, orixá feminino e masculino que se move entre o céu e a terra? E se o mito egípcio de Ísis e Osíris virar um Rap? E se o nome do deus Pã ecoado - Pã Pã Pã Pã - fizer soar a quinta sinfonia de Beethoven? Será que a multidão delira ou Pã Pã Pã Pânico, terror e bomba, multidão em polvorosa?”
São 55 minutos performados: voyeurs de nós mesmos, dentro/fora de uma estética sofisticada que convida a refletir sobre a necessidade de comunicar sempre outros e mais lugares que nos permitam comunicar em conexão com o que está sendo experimentado.
Ficha técnica:
Concepção e direção Marcela Levi & Lucía Russo
Performance e cocriação Lucas Fonseca (Legendary007), Martim Gueller e Romec
Participação especial Bruno Cezario
Texto Joana Levi
Assistência Lucas Fonseca
Preparação corporal Lucas Fonseca, Lucía Russo e Marcela Levi
Desenho de luz Laura Salerno
Desenho de som Levi, Russo e Gueller
Figurino Levi & Russo:
Direção técnica Laura Salerno e Cauê Gouveia
Técnico de luz Fellipe Oliveira e Léo Sousa
Técnico de som Aratan Brasil
Cenotécnico Eduardo Joly
Técnico assistente Matias Ivan Arce
Assistência de produção Morgana Olívia Manfrim
Fotografia Renato Mangolin
Produção Improvável Produções
Coprodução Julidans, CCN de Caen em Normandie dans le cadre de l’Accueil- studio, Sítio Canto da Sabiá e Something Great