marcela levi
c h ãO | grrRoUNd
peça de dança de grupoMarcela Levi & Lucía Russo | Improvável Produções
Brasil | Argentina
2021
grrRoUNd não é o desenrolar de uma peça de dança, harmoniosamente arranjada com imagens autônomas ligadas entre si por uma mensagem política a ser transmitida sobre o Brasil. Acima de tudo, é um terreno de dança surpreendente e irradiante. Ele liberta. A comunidade é sem fim ali.
(Sylvia Botella, Toutelaculture - Bruxelas (BE), Julho 2021)
O que a instabilidade pode oferecer?
grrRoUNd é uma peça fragmentária e incompleta que toma emprestado da música o trêmulo - também conhecido como o som da dúvida - e a dissonância para pensar a tensão como vínculo vibrante e não somente como quebra. O trítono, intervalo dissonante bastante usado em filmes de suspense, também é conhecido como intervalo do diabo. Seu som dá ideia de movimento, instabilidade, e quando não é acompanhado por um acorde de resolução o ouvinte fica angustiado, tenso, pois o trítono traz uma "necessidade" de ser resolvido. A dissonância na música não resolve, ela suspende.
Suspender-se, pendurar-se em um intervalo, uma fenda no tempo entre cima e baixo, entre lado e outro, lançar-se na instabilidade, na trepidação, no groove. Tocar o chão para saltar novamente, saltar para voltar ao chão. Bater os pés no chão para levantar poeira, partículas em suspensão. Bater no chão, abalar a terra, fazer tremular corpos distantes. Corpos distantes ainda f(r)iccionam.
Em meio ao distanciamento físico, a música nos fez mover. Escutar outros. A voz carrega corpos. Começamos assim essa peça carregada de pedaços de danças, vozes e corpos. Ouvir vozes. Vozes que soam rente ao c h ãO. Nina Simone, Tina Turner, Afrika Bambaataa & Soulsonic Force, Beyoncé, Kathleen Hanna, Sany Pitbull, Bruno Tucunduva Ruviaro, Gal Costa, Mutantes, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Chiquinha Gonzaga. Essa gente embala e faz tremer o nosso grrRoUNd. A marchinha de carnaval do final do século XIX "Ô abre alas que eu quero passar, peço licença pra poder desabafar" nos deu passagem para aproximarmos o Tap dos musicais norte-americanos ao carnaval, à bateria de carnaval, aos tiros e fogos de artifícios que escutamos diariamente no Rio de Janeiro.
Um arquipélago.
Encontros que aconteceram no tempo, ou mesmo não aconteceram mas poderiam ter acontecido. "And like a ghost I'll be gone" diz Beyoncé em uma de suas músicas em que dança uma coreografia inspirada em "Mexican Breakfast", coreografia do rei do musical dos anos 60, Bob Fosse que, por sua vez, se inspirou na dança Black Bottom de Billy Pierce dos anos 20, que seguiu seu caminho no Charleston e que mais tarde engendrou o Soul de James Brown - o Mister Dinamite - e o locking de Damita Jo Freeman. E de gente em gente, caminhando sempre para trás e para os lados para avançar tropeçamos no violino estridente que abre o filme expressionista alemão mudo de suspense "O gabinete do Dr Caligari". Mudo. Suspense. O trítono, intervalo dissonante bastante usado em filmes de terror, também é conhecido como intervalo do diabo. "So, I run to the devil" disse Nina Simone. Quando e como se associou a dissonância ao terror? A dissonância na música suspende. Suspense. Logo no início lá está Caligari vestindo as luvas que seriam usadas pelo Mickey Mouse algumas décadas depois. Mãos. Shining/Jazz hands. Outro signo do musical que já aparece nos anos 20 com o Black Bottom. "Where you gonna run to?" canta Nina Simone em Sinnerman. Timbaland em sua mixagem responde: "Nowhere". "Um mundo coberto de penas" foi o primeiro nome de "Vidas secas", romance de Graciliano Ramos. Terra rachada, partida, craquelada. "But you don't wanna be on your knees" canta-grita Kathleen Hanna. Entre idas e vindas, voltas e revoltas - morra! Renasça! -, rewinds e distorções encostamos nas montagens funkeiras de Sany Pitbull. Sany, Bambaataa e Kraftwerk se infiltraram no "Planet Rock". Esse é o nosso Sooooooul Train Tropicália. "If you are having a good time say yes". Depois de algum tempo "like a ghost I'll be gone".
(Marcela Levi & Lucía Russo)
Concepção e direção: Marcela Levi & Lucía Russo
Performance e cocriação: Alexei Henriques, Aninha Araujo, Ícaro Gaya, Lucas Fonseca, Martim Gueller, Romec e Walter Pinheiro do Soul
Colaboração (processo de criação): Tamires Costa
Interlocução: Ana Kiffer e Felipe Ribeiro
Assistência: Lucas Fonseca
Preparação corporal: Lucas Fonseca, Lucia Russo e Marcela Levi
Desenho de luz e direção técnica: Laura Salerno
Desenho de som: toda a equipe
Figurinos: Levi & Russo
Iluminador assistente: Fellipe Oliveira
Técnico de som: Aratan Brasil e Luciano Siqueira
Cenotécnico: Eduardo Joly
Produção e realização artística: Improvável Produções
Coprodução: Kunstenfestivaldesarts, Kaaitheater, Julidans, PACT Zollverein e Something Great
Distribuição: Something Great
Apoio: Centro Coreográfico da Cidade do Rio de Janeiro / Secretaria Municipal de Cultura, Consulado da Argentina no Rio de Janeiro, Sítio Canto da Sabiá e Instituto Villa-Lobos UNIRIO
Patrocínio: Fomento a todas as artes - Lei Aldir Blanc | Secretaria Municipal de Cultura do Rio de Janeiro
"Vento", instalação concebida por Lucía Russo em colaboração com Marcela Levi e consultoria técnica de Bruno Jacomino, desenvolvida dentro do projeto "Sala de Maravilhas" (2013) de Gustavo Ciríaco.
artigos e críticas:
Sylvia Botella
Felipe Ribeiro
Ana Kiffer